Entendimento progressivo dos pioneiros Adventistas sobre a trindade

Entendimento progressivo dos pioneiros Adventistas sobre a trindade

Por Gilberto G. Theiss [1]
(Power Point deste artigo  aqui)

 Muitos debates e confrontos se levantaram nos primórdios do adventismo com o objetivo de impedir que certas doutrinas estranhas se infiltrassem no seio da igreja. Mas, conceitos estranhos e doutrinas duvidosas eram de certa forma os meios mais eficazes para forçar os teólogos e pastores da época a estudarem com mais profundidade os temas propostos e controversos. Assim como outros assuntos complexos e preconceituosos, o tema da divindade de Jesus, Espírito Santo ou da Trindade ganharam um pequeno espaço em algumas dessas discussões no meio adventista, principalmente pelo fato de tal crença ser creditada à origem pagã do catolicismo [2] . Essa discussão, no princípio, não era nada amistosa, mas aos poucos, ao longo dos anos, as diferenças teológicas a esse respeito foram diminuindo. Podemos separar esse período em pré 1898 e pós 1898, por ter sido neste ano a primeira impressão do livro “O Desejado de Todas as Nações” que trouxe grande luz sobre a essência da natureza de Jesus, influenciando grandemente alguns pioneiros que ainda mantinham certas dúvidas quanto à co-erternidade de Cristo [3].

Mesmo antes da publicação do Desejado de Todas as Nações, e da influência das visões de Ellen White, houve entre alguns pioneiros, um progressivo entendimento deste tema que culminou em declarações extra-oficiais da crença da Igreja Adventista na Divindade e Eternidade do Filho junto com o Pai e da natureza pessoal e divina do Espírito Santo. E será exatamente isto que veremos a seguir.

 O contexto de 1892 e algumas Publicações

 Na data de 1892, um estudo publicado pela Review and Herald, usou pela primeira vez, de forma abrangente e positiva, o termo Trindade. O devido estudo foi publicado num conjunto de dezenas de outros estudos para confirmar no que, até o momento, os Adventistas do Sétimo dia definitivamente acreditavam.

A desmistificação da palavra Trindade começa neste período com nenhuma contrariedade dos principais pioneiros da igreja. É importante lembrar que, nos períodos entre 1846 e 1888, a maioria dos adventistas haviam rejeitado o conceito da Trindade [4], e apresentavam diversas divergências quanto a natureza da pessoa de Cristo, Sua igualdade com o Pai e sua co-eternidade. Uns acreditavam que Jesus era essencialmente Deus, porém inferior ao Pai, enquanto que outros acreditavam que, em algum momento, na eternidade, o Filho teria vindo à existência.

Analisaremos a partir de aqui, algumas importantes considerações de alguns renomados pioneiros do movimento, que nos darão a compreensão de que suas descrenças na divindade e eternidade de Jesus não suportaram o tempo e a luz posterior que Deus lhes daria através de diligente estudo. A progressiva compreensão poderá ser notada nestas citações:

 W.W. Prescott [5] - 1896 (Antes) -  “Assim como Cristo nasceu duas vezes, uma vez na eternidade...e de novo na carne [6]

 W.W. Prescott – 1919 (Depois) - Depois assumiu: “Fui ensinado como o irmão Daniells...de que a Trindade era algo herético...sem contudo pensar por mim  mesmo, ou estudar, eu supus que estava certo. Mas eu descobri algo diferente...como entendo agora, deidade envolve eternidade. Você não pode ler as Escrituras e conceber sem eternidade [7]

 Uriah Smith[8] - 1865 (Antes) - “... o primeiro ser criado [9].Embora através de meios não claramente identificados nas Escrituras, Cristo havia sido trazido à existência ou gerado [10]

Uriah Smith – 1881 (Depois) - “Mas a linguagem não implica necessariamente que ele foi criado [...] ele próprio veio à existência de uma forma diferente.” [11]  Ao comentar a frase, “O princípio da criação” de Apocalipse 3:14.

 Alguns, até mesmo bem intencionados, afirmam que Uriah Smith não havia se convencido completamente deste assunto. A resposta a esta indagação poderia ser entendida à luz da impressão da primeira edição do Desejado de Todas as Nações. Urias Smith faleceu em 1903, portanto ele presenciou em 1898 as afirmações de Ellen White neste volume de que Jesus não possuía vida derivada e nem emprestada [12]. Também pode conhecer a declaração contundente no mesmo livro a favor do Espírito Santo que assim declara: “Ao pecado só se poderia resistir e vencer por meio da poderosa operação da terceira pessoa da Trindade, a qual viria, não com energia modificada, mas na plenitude do divino poder”. [13]

Este argumento pode ser uma referência plausível do desenvolvimento progressivo e teológico para os pioneiros do movimento, e especialmente para Smith, pelo fato dele devotar grande confiança no ministério profético de Ellen White para a igreja remanescente.

De qualquer forma, temos uma citação de 1896 onde Smith admitia louvar o Espírito Santo, pois estava equiparado ao Pai e ao Filho em Mateus 28:19 [14].

Em 1903 Smith reconheceu três seres ou três agentes para a nossa salvação [15].

 James White [16] - 1846 (Antes) - “O antigo credo trinitarista ausente nas escrituras...de que Jesus é o eterno Deus[17] James  White – 1876 (Depois) - “Os adventistas dos sétimo dia compreendem a divindade de Cristo de forma tão parecida com os Trinitaristas que não receamos qualquer debate aqui. [18]

Um ano mais tarde, em 1877, James White declara abertamente sua crença na igualdade do Filho para com o Pai, e ainda condenou qualquer ensinamento que faça Cristo inferior para com o Pai”. [19]

 J. H. Waggonner – (Antes) - “A Bíblia faz silêncio sobre a Trindade.” [20]

 J.H Waggonner – 1883 (Depois) - Em 1883, Waggonner reconheceu que o Espírito Santo partilha os atributos do Pai e do Filho. [21]

            Os registros históricos visto até então, são evidentes em mostrar que, no mínimo, mudanças no pensamento que diz respeito à trindade, foram gradativamente permeando o parecer de alguns pioneiros sobre a trindade. Nos capítulos seguintes, cavaremos um pouco mais para encontrar algum tipo de solo que possa dar sustento e respaldo a crença no meio adventista. A história, estudada com seriedade, não falha em nos apresentar a verdade.

 Outros pioneiros em defesa da trindade

 S. Spears, em artigo de 1889 transformado em livreto e publicado pela igreja em 1892 defende “A doutrina bíblica da Trindade.” N. Downer, em artigo, declarou que as três pessoas da Trindade tiveram parte na ressurreição de Cristo[22]

Lee S. Wheeler, observou, citando Efésios 4:4-5: “É digno de nota que nesta como em muitas outras partes da Escritura, o Espírito como sendo um é mencionado como distinto do Pai e do Filho.” [23]

D. Hildereth escreveu: “Tire o Espírito Santo da Bíblia e ‘nada’ que reste é digno de ser falado.” [24]

Joseph Clark defendeu o Espírito Santo como uma realidade em si mesmo, e um agente de Deus .[25]

P. Bollman escreveu: “O Espírito Santo é divino e Criador de todas as coisas”. [26]

A.J. Morton declarou: “A divindade do Espírito Santo, de Cristo e a do Pai e Cristo não pode ser separada”. [27]

Alonzo T. Jones foi editor da Reviewand Herald por muitos anos. Em sermão na Sessão da Conferência Geral de 27 de fevereiro de 1895 defendeu que “O Espírito Santo é um representante pessoal de Deus”. Também, que há uma unidade do Espírito Santo com o Pai e o Filho. [28]

Stephen N. Haskel, no artigo “O Espírito Santo” declara que a relação entre o Pai, Filho e Espírito Santo é um mistério. [29]

G.C Tenny, que em 1883 usara “it” (“Isto”, em inglês, normalmente usado para coisas) para o Espírito Santo declarou em 1896 que o Espírito Santo era inteligente, tinha existência independente e passou a suar o pronome pessoal “he” (“ele”, normalmente para pessoas). [30]

S.M.I.Henry, escritor denominacional declarou em 1898 que: “Os pronomes usados em conexão com o Espírito devem levar-nos a concluir que ele é uma pessoa – uma personalidade...”. [31]

R.A Underwood, que havia sido antitrinitariano a princípio, expõe, segundo ele mesmo declara, a sua mudança de compreensão, a partir do estudo da Bíblia.

Na revista Review de 3 demaior de 1898 ele diz que o Espírito é uma pessoa e que não deveríamos permitir que Satanás destruísse nossa fé “na personalidade dessa pessoa da Divindade – o Espírito Santo.”

Em relação à sua opinião anterior Underwood declarou:

“Mas nós queremos a verdade porque ela é a verdade, e nós rejeitamos o erro porque é o erro, apesar de qualquer ponto de vista que nós possamos anteriormente ter sustentado ou qualquer dificuldade que nós possamos ter tido ou possamos ter agora quando nós vemos o Espírito Santo como uma pessoa”. [32]

 Conclusão

Com o passar do tempo, assim como outras doutrinas que foram incorporando ao quadro de crenças adventista, a trindade foi superando as discussões contrárias, conquistando gradativamente espaço cognitivo entre os principais pioneiros da igreja. As visões reveladoras dadas a Ellen White sobre a Divindade de Cristo e do Espírito Santo, tendo como marco a publicação do livro “O Desejado de Todas as Nações”, teve um impacto importante para a fundamentação da crença no ano de 1898, que consequentemente levou a igreja a se posicionar definitivamente no ano de 1931, onde expressou total aceitação a esta doutrina. Muitos líderes e membros que viviam neste ano, foram membros atuantes no período de Ellen White e mantiveram sua crença assim como nos anos anteriores - a favor da Trindade. Portanto, em torno de 1900 a igreja já desfrutava de consenso sobre o tema conforme os testemunhos da época evidenciam clarificadamente. [33]

 LEITURA ADICIONAL SUGERIDA

 CASALI, Victor. Historia de las Doctrinas Adventistas. Centro de Investigación White: Universidad Adventista Del Plata, p. 131-132

 DEMÓSTENES, N. S. Perguntas e Respostas sobre a Trindade, p. 117-130.

 PAROUSIA, Ellen G. White e a compreensão da Trindade, p. 11-26.

 PAROUSIA, O debate adventista sobre a Trindade, p. 19-30.

 WOODROW whidden, Jerry Moon, John W. Reeve. A Trindade, p. 207-215.

 THEISS, Gilberto G. A história revelada e a verdade confirmada, V. 2,  p. 69 – 150 (ver desenvolvimento doutrinário da IASD e a doutrina da trindade).

 Referências

[1] Bacharel em Teologia pelo Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (IAENE), e pastor na ACN. Ver Currículo Lattes de Gilberto Theiss.
 
[2] SHWARZ, Richard W. e GREENLEAF, Floyd, Portadores de luz, p. 161
[3] WHIDDEN, Woodrow, MOON, Jerry e REEVE, John W. A Trindade, p. 223
[4] Ibdem, p. 217. Ver também: MOON, Jerry. O debate adventista sobre a Trindade, Parousia ano 4, nº 2, p. 21.
[5] W. W. Prescott, educador e administrador. Em 1885 tornou-se diretor do Battle Creek College e foi, durante algum tempo (1891-1892), simultaneamente, diretor de dois outros colégios – Unio e WallaWalla. Ajudou a fundar o que hoje se conhece na Austrália como Avondale College. Posteriormente trabalhou como erudito e administrador, exerceu grande influência sobre a obra educacional mundial da denominação. Nascido em 1855 e falecido em 1944. DOUGLAS, Herbert E. A mensageira do Senhor, p. 250.
[6] PRESCOTT, W. W. Review and Herald, 14 de Abril de 1896.
[7]  Ibdem, p. 62, 1919
[8] Uriah Smith. Pastor, escritor e redator. Tornou-se adventista observador do sábado em 1852, unindo-se no ano seguinte à equipe da Review. Desde aquele tempo até sua morte, seu nome apareceu no expediente da revista, a maior parte das vezes como editor. Foi o primeiro instrutor bíblico do Battle Creek College e secretário da Associação Geral. Escreveu alguns livros, dos quais o mais conhecido é Thought son Daniel and the Revelation. Nascido em 1832 e falecido em 1903. DOUGLAS, Herbert E. A mensageira do Senhor, p. 251.
[9] SMITH, Uriah. Thoughts Critical and Patriarcal, on the Book of Revelation p. 59
[10] Ibdem
[11] Ibdem, p. 74
[12]  WHITE, Ellen G.. O Desejado de Todas as Nações, p. 530
[13] Ibdem, p. 761.
[14] SMITH, U. In the Question chair, Adventist Review and Sabbath Herald, doravante Review, 27/10/1896.
[15] SMITH, u.The Spirit of Profhecy.General ConferenceBulletin, 14 de março de 1903.
[16] Tiago [James] Springer White. Um dos três co-fundadores da igreja Adventista do Sétimo dia, sendo os outros dois sua esposa Ellen e amigo José Bates. Foi professor durante dois anos, amas logo que completou 21 anos de idade uniu-se ao movimento milerita e, empunhando um diagrama, começou a pregar. Relata-se que, durante os meses de inverno de 1842-1843, Tiago levou mais de 1000 pessoas a Cristo. Depois do desapontamento de 22 de outubro de 1844, associou-se a outros Cristãos no estudo da Bíblia, em busca de maiores esclarecimentos. Em1846 aceitou a verdade o sábado e, em 1849, começou a publicar a revista PresentTruth. À medida que crescia o número dos adventistas guardadores do sábado, ele insistiu para que constituíssem uma organização. Isso resultou na formação da Associação Geral , em 1863. Tiago liderou o desenvolvimento da obra editorial, educacional e médica da igreja. Durante muitos anos foi editor da Review and Herald. Atuou como presidente da Associação Geral durante três mandatos (1865-1867-1871; 1874-1880). Nascido em 1821 e falecido em 1881. DOUGLAS, Herbert E. A mensageira do Senhor, p. 253.
[17] WHITE, James. The Day Star, Jan. 21
[18]  Idem. Review and Herald, 12 de Out. De 1876.
[19]  Ibdem, 29 de Nov. de 1876, p. 72
[20] WAGGONNER, J.H. The Atonement, p. 173
[21] TAYLOR, 1953
[22] DOWNER, N. Review, 6 de abril de 1876
[23] WHEELER, L.S. The Communion of the Holy Spirit, Review, 21 de abril de 1891, p. 244
[24] HILDERETH, D. Review, 01 de abril de 1862
[25] CLARK, J. Review, 10 de março de 1874
[26] BOLLMAN, P. Signes of the Times, 04 de novembro de 1889.
[27]  MORTON, A. J. Signes of the Times, 26 de outubro de 1891.
[28] JONES, A. T. General ConferenceBulletin, 27 de fevereiro de 1895.
[29]  HASKELL, S. N. Review, 28 de novembro de 1899.
[30] BOLLMAN, P. TENNY, G. C. Review and Herald, 9 de junho de 1896.
[31] HENRY, S. M. I. The Abindig Spirit, p. 271
[32] UNDERWOOD, R.A. Review, 3 de maior de 1898.
[33] SILVA, Demóstenes N. A Trindade, p.124.